Cristiano Sarmento tem 35 anos e é morador de Sapucaia do Sul Foto: Nataly Motta/Divulgação

Durante quatro anos a rotina de Cristiano de Souza Sarmento foi a mesma. Empenhado em concluir o Curso Superior de Tecnologia em Logística, na Ulbra Canoas, era levado diariamente pelo transporte da empresa onde trabalha até a porta da Universidade. No fim da jornada, enfrentava dois ônibus e o trem para chegar até a casa onde vive com a esposa, em Sapucaia do Sul. O esforço parece mínimo, não fosse por um detalhe. Cristiano é deficiente visual. Por conta de um problema genético, em 2006 perdeu os 40% de visão que ainda lhe restavam. "Ser cego nunca me impediu de estudar. Concluí um curso técnico em 2012 e, no ano seguinte, entrei na faculdade", relembra. 

O apoio vem de berço. A mãe, Doraci de Souza, de 59 anos, sempre foi uma das suas principais incentivadoras. "Quando eu era criança viemos do interior para a Região Metropolitana e meus pais me tiraram da escola no 6ª ano porque precisávamos trabalhar para ajudar a família. Por isso, toda a vida quis que ele estudasse", revela a dona de casa. A esposa, Henriqueta Flach, 30 anos, também serve de esteio. "Tenho certeza que essa conquista vai trazer mais possibilidades no futuro", conta ela, que também é deficiente visual.

Além do encorajamento da família, graças aos professores, colegas de trabalho e de aula, Cristiano seguiu enfrentando os desafios que insistiam em afastá-lo do sonho de conquistar o canudo. Na Universidade, o auxílio veio do Programa Permanente de Acessibilidade, que disponibilizou colaboradores para acompanhá-lo em algumas disciplinas e durante as provas.

Com pouca bibliografia em braile disponível no mundo acadêmico, foi com a ajuda de um programa de leitor de tela instalado no computador que conseguiu estudar. "Para o trabalho de conclusão, uma prima ia comigo na biblioteca fazer as pesquisas, me passava os textos em Word e eu conseguia ler e escrever", contou. No final de dezembro, foi com este recurso que Cristiano, hoje com 35 anos, defendeu o trabalho de conclusão da graduação, elaborado durante seis meses.

Com o título Logística de Produção: Minimização e Perdas na Produção de Tratores, a monografia foi elogiada pelos professores que acompanharam a banca. "Fico feliz por ter apresentado além do que foi exigido em um trabalho de projeto. Todos os aspectos foram muito bem abordados", exaltou o coordenador do curso, Nestor Alberto Rancich Filho.

O orientador da pesquisa, professor Guilherme Pereira, lembrou da dedicação do formando durante a elaboração do trabalho. "Foi o orientando que mais visitas fez a minha sala. Pelo menos duas vezes por semana vinha me mostrar o que estava produzindo. É muito esforçado", contou o docente. Extremamente emocionado, Cristiano disse gostar de desafios. "Passei por mais uma barreira. Sei das minhas dificuldades, mas consegui ", sorria aliviado ao lado de familiares e amigos durante a colação de grau, realizada na Ulbra na última sexta-feira, 12.

Programa de Acessibilidade

Desde que ingressou na Universidade, Cristiano foi acompanhado pelo Programa Permanente de Acessibilidade (PPA) da Ulbra, que existe há 20 anos. A iniciativa é responsável pelo apoio pedagógico aos alunos, professores e colaboradores com deficiências. Também promove a comunicação intermediada por tradutores e intérpretes, além de auxiliar nos aspectos operacionais das atividades educacionais.

De acordo com a coordenadora do PPA, professora Dalva Santana, somente no ano passado, 27 alunos surdos ou cegos foram acompanhados pelo PPA em sala de aula, através do trabalho das intérpretes de Libras ou ledoras (que fazem a leitura e interpretação dos materiais para os deficientes visuais). Em 2017, o PPA atendeu 51 disciplinas com alunos deficientes em sala de aula e realizou 238 atendimentos administrativos durante o ano para este público.

Marla Cardoso
Jornalista Mtb 13.219